resposta:
o conhecimento histórico é uma construção refinada que dialoga com diferentes fontes documentais e discursos pretéritos. o teatro, em sua diversidade, é simultaneamente objeto de pesquisa, narrativa histórica e fonte documental. nesse sentido, as relações do teatro com a história são necessariamente complexas e exigem do pesquisador competência para construção de trânsito interdisciplinar e sensibilidade para compreensão da narrativa teatral em si mesma. exige também formação capaz de fazer da arte teatral um recurso epistemológico possível, na construção de abordagens históricas, que possibilitem compreender o tempo, as espacialidade e as relações sociais constitutivas da própria história.
essa complexa inter-relação de dinâmicas e procedimentos metodológicos encontrou um belo lugar de expressão no livro história, teatro e política, organizado pela historiadora kátia paranhos. a obra de 248 páginas, publicada pela editora boitempo, tem o mérito de reunir textos, que embora referentes a experiências peculiares, trazem em comum a "compreensão do fato teatral como uma rede extensa e complexa de relações dinâmicas e plurais que transitam entre a semiologia, a história, a sociologia, a antropologia, a técnica e arte, a representação e a política" (p.10).
ao abraçar essa perspectiva, o livro contribui para reflexão metodológica sobre o uso de fontes e teorias. além disso, apresenta ao leitor, um retrato dinâmico de experiências históricas concretas em que teatro e política dialogam.
na bela e densa apresentação da obra, kátia paranhos analisa como o movimento de redefinição do campo da história alargou possibilidades. entre elas destaca-se a da compreensão do texto teatral não somente como documento ou fonte, mas também como elemento constitutivo da própria trama da história, uma vez que como fato é também ato. nesse sentido, afirma:
a atividade teatral dialoga com outros campos do fazer artístico e, assim é lógico que incentive uma história que dê conta das relações verificadas dentro e fora do fenômeno teatral. (p.9).
nesse sentido, para autora teatro é história, ou é a história em ato.
essa orientação de valorização das inter-relações no campo do teatro está muito bem expressa no artigo de autoria de adalberto paranhos, história, teatro e política em três atos. em seu texto analisa a interseção entre teatro e política, na construção da história por sujeitos sociais ativos:
o teatro seja autodenominado, político, engajado, revolucionário ou até apolítico, é sempre político, independentemente da consciência que seus autores e protagonistas tenham disso. o mundo da política é habitado por todos nós, queiramos ou não, quanto mais não seja porque toda e qualquer elação social implica, inescapavelmente, relações de poder, tenham essas o sentido de dominação ou não. (p.36).
nesse sentido, não seria temeroso afirmar que a compreensão da organizadora da obra e dos autores dos textos nela reunidos é de que em sua construção artesanal cada espetáculo teatral é único. mas que o teatro em si é heterogêneo, dialético e inserido em determinados tempo e espacialidade.
a dialética é inerente à extensa e diversificada rede de relações e dinâmicas que compõem o fenômeno teatral. rede que, em uma tessitura de múltiplos fios, transita entre história, semiologia, sociologia, antropologia e política. considerada essas características de mobilidade e pluralidade, o livro, em seu conjunto reafirma sua filiação a um campo renovado de produção do conhecimento histórico. renovação que absorve novos objetos e novas formas de construção epistemológica, que considera a narrativa não uma simples reprodução do real, mas uma escolha permeada por variáveis diversificadas.
ao traduzirem a complexa heterogeneidade inerente ao movimento da história e à construção do saber histórico, os textos selecionados pela organizadora do livro, além de reflexões sobre fontes, trazem rica contribuição sobre temas variados, entre eles o teatro russo e o teatro espanhol. a ênfase maior recai, todavia, sobre a produção teatral brasileira, em especial o teatro brasileiro de engajado, crítico e contestador, no período do imediato pré 1964 e na conjuntura que sucedeu o golpe político ocorrido naquela ano.
na abertura da coletânea o leitor encontrará o belíssimo texto, "editar shakespeare", de autoria de roger chartier, professor da universidade da pensilvânia" e membro do centro de estudos europeus na universidade de harvard. chartier, com precisão regada por formação histórica erudita, analisa a construção e a materialidade do texto shakespeariano e sua inerência histórica.
explicação: